Fico espantado em como e por anda anda a pedagogia nos dias de hoje. Muitos e muitos anos atrás, a disciplina em sala de aula era rígida, rigorosa. Podia não ser correta, mas as regras eram claras: silêncio e atenção. No nosso colégio, o diretor (Frei João) quando entrava na sala, com as mangas da batina preta arregaçadas, nunca era um bom sinal. Seu discurso, em um portunhol que conhecíamos bem, invariavelmente terminava com "Da primeirra vez jo avisso, da segunda jo adverto, da tercera, jo arrasso sem dó nem pietá". Nunca chegamos à terceira etapa.
Hoje em dia, os livros estão muito mais interessantes, agradáveis e instigantes (boa essa). Concorrem com televisão, games e computador com uma linguagem muito mais dinâmica. Lamentavelmente as salas de aula continuam as mesmas.
Alguns anos atrás, o Professor Longo (do Observatório Nacional) deu uma entrevista a um documentário produzido pela produtora que minha esposa dirigia e fez um comentário que não me sai da cabeça. Ele disse que se o avô dele voltasse aos nossos dias, ele não saberia o que era um pen drive (que ele tinha nas mãos e mostrou para as câmeras), mas que reconheceria facilmente uma sala de aula. Por mais esforço (se é que fazem) e boas intenções, a sala de aula parece ser algo imutável. Trocaram o quadro negro por um verde (para acalmar as crianças diziam lá no nosso colégio). Depois virou aquele quadro branco para canetas hidrográficas e agora algumas escolas estão instalado os tais eBoards, que parecem telas gigantes de computador com imagens geradas em um projetor preso no teto. Tudo muito interessante, bonito e igual ao velho quadro negro.
Quando surgiu o rádio, ele trazia a voz das pessoas e indefectíveis novelas que eram adaptações de peças de teatro. Era o som que não havia no cinema mudo. A televisão apareceu copiando o rádio, com programas que pareciam estáticos e levou anos até alcançar uma linguagem própria. O computador foi a revolução silenciosa (nem tanto assim) embrenhando-se nas nossas vidas de forma cada vez mais insubstituível, mas usando e misturando as técnicas de cinema, rádio e televisão. Com ele, surgiu essa tal de Internet, que subverteu várias coisas e transformou-se na coqueluche do nosso século, misturando tudo e até fazendo as vezes dos velhos "cursos por correspondência". Muita coisa mudou e meu avô se sentiria confuso com alguma delas, mas jamais com uma sala de aula. Ele se sentiria em casa. Não teria o giz, mas ele sabia e saberia se virar.
Assim como as salas de aula físicamente não mudaram, os professores também estão séculos atrás. Aprenderam que consguem dar aula sem agredir físicamente as crianças, descobriram alguns recursos conhecidos dos atores e comediantes, mas no fundo não trazem nada de novo, a não ser apresentar a matéria como fazia o professor dos avós dos nossos avós.
As escolas escondem-se por trás de "parcerias" com as famílias e não mais arvoram pra si o rótulo de "segundo lar". Claro, isso lhes dava mais trabalho. A professora era uma segunda mãe (ou cruel madrasta) mas tinha uma postura e exigia um respeito. Umas com mais sucesso do que outras. Hoje elas estão perdidas. Os colégios disputam alunos dizendo serem os melhores e entopem as salas de aula no limite do que lhes permite a lei. Por mais que o professor não seja capaz de lidar com a diversidade cultural dos alunos e que alguns seriam ótimos professores de apenas 3 ou 4, as salas vão ao limite de 26. Diante dessa turma cheia de energia e disposição para a vida, os que mais padecem são aqueles mais bem dispostos. Ficou fácil agora, chama-los de hiperativos e sugerir acompanhamentos neurológicos, psicológicos, pedagógicos e demagógicos. Acho inaceitável a figura da "explicadora". A velha "professora particular" chamada para um reforço em casos emergenciais, virou um lugar comum. Por que isso? Claro que pela própria incapacidade dos colégios de ensinar.
Se a aula é menos interessante do que um game, o que fazer para torna-la razoavelmente interessante? Me lembro de sentar no colo do meu pai, aos 8 anos de idade, para ouvir uma preleção dele sobre a importância do ensino de história. Eu era (sou) péssimo com decoreba de datas. Jamais me interessei por isso e esse era o método. Datas. Data do descobrimento, data da independencia, datas, datas, datas. Mas e os fatos? Frei Heliodoro que me perdoe, mas as aulas dele eram insuportáveis. Um belo dia, ano novo, sala nova (mas igualzinha a do ano anterior) entra um senhor gordo, grisalho com cara de bonachão. Senta-se na cadeira e puxa a mesa em sua direção. A turma cai na risada e ele sério pergunta o que esperávamos, que ele puxasse a cadeira com risco de dar vexame? Começava um novo tempo da história para todos nós. O professor Henrique Delamare marcou a vida de todos os que passaram por suas aulas. Havia um livro, havia prova (com apenas duas perguntas a serem respondidas em uma página), havia muita conversa e não percebíamos que nessa conversa, ouvíamos histórias. A História do Brasil, a História Universal, D.Pedro, Alexandre O Grande, Napoleão, Sócrates, todos estavam ali e começaram a fazer parte de nossas vidas como pessoas que eram mas que se destacaram. Era uma aula comum com um professor incomum.
Nem todos podem ser um Professor Delamare. Alguns chegam perto, mas a maioria preferia estar fazendo outra coisa. Do mesmo modo, as Modernas Organizações Pedagógicas, poderiam ser outra coisa. Uma padaria, um cinema, uma loja de roupas, muitos colégios são apenas um negócio. Alguns gastam com a contratação de profissionais diversos e cobram por isso. Outros simplesmente não tem. Mas de que adianta ter pedagogos e psicólogos se no fundo o que se visa é a hora extra da reunião?
As escolas hoje falam da perceria porque elas não sabem o que fazer com as crianças. Chamam as famílias para participar, inventam Escola da Família e são mestres em escolher voluntários para fazer o serviço que deveria ser delas. Atribuem às famílias um serviço pelo qual são pagas para fazer. Eu pago a uma pessoa para ensinar meu filho umas tantas coisas. Estou delegando uma responsabilidade a essa pessoa e dando-lhe autonomia. Quando me chamam no colégio para "troca de informações", me contam do comportamento de uma criança que age e reage em um ambiente que não é o seu lar. Me lembro de Miles Davis que gostava de desconcertar seus interlocutores perguntando: "E daí?". Ao final dessas reuniões eu me pergunto: E daí? Acabei de perder, gastar uma ou duas horas do meu tempo para ouvir nada. Me perguntam como ele vai, eu respondo e depois me dizem como ele está e se comporta lá. Contam fantásticas teorias que buscaram aplicar e que me soam como testes feito no meu filho-cobaia. Não recebo soluções. Sugeriram uma fonoaudióloga. Ele está lá. Sugeriram acompanhamento psicológico, ele está lá. Sugeriram avaliação neurológica, ele fez (e não deu nada - o neurologista colocou no laudo que a escola precisa agir como escola). Sugeriram que o pediatra passasse um "calmantinho" para a criança e nós começamos a desconfiar que eles é que precisavam de um "calmantão". Chamam os profissionais na escola como se fosse obrigação dos profissionais que contratamos, prestar contas à escola de alguma coisa, esquecendo até do sigilo profissional. São incapazes de escrever uma carta a ser enviada à psicóloga, ao invés disso a chama para mais uma reunião (paga por mim) e quando ela se recusa, porque já percebeu que as reuniões não levam à nada ("Se você não quer decidir nada, marque uma reunião"- Millor Fernades) dizem que ela não está querendo colaborar. Eles precisam desesperadamente encontrar um bode expiatório para as falhas deles. Se uma família se dispõe a tudo, é algo tão inédito pra eles, que confundem isso com subserviência, imaturidade e ingenuidade. Esquecem que diante deles pode estar um pedagogo, um psicólogo, um humanista, um pesquisador, enfim, qualquer um com muito mais experiência de vida do que eles, ali enclausurados tal e qual as Carmelitas.
Outro dia resolvi sair com meu filho em plena quinta-feira e dar-lhe uma aula na rua. Uma simples ida ao Centro da Cidade, que geralmente levo uma ou duas horas, extendeu-se por cinco horas. Estudamos matemática e sistema monetário ao comprar as passagens do Metro; observou as construções de antigamente em oposição aos novos e modernos edifícios aprendendo sobre métodos construtivos; discutimos nutrição ao nos sentarmos para o almoço; fizemos algumas experiências de orientação por observação do Sol; conversamos sobre desperdício, poluição e higiene apenas caminhando pelas ruas do Centro. Eu aprendi terraplenagem com meu pai, aos nove anos de idade indo com ele aos sábados nas obras que gerenciava. Experiência marcante que me trouxe um conhecimento que não aprendi em lugar nenhum (até porque não fiz engenharia como esperavam) e que ficou ali guardado até a hora de sentar pra primeira aula na Fcauldade de Arquitetura.
O tempo não para. Tudo a nossa evolui e se transforma constantemente. O ser humano mudou e as crianças mudaram. A humanidade continua mudando, mas quando será que a sala de aula vai mudar?
Se alguém souber a resposta, por favor me conte.
Forte Abraço
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