segunda-feira, 14 de novembro de 2011

De mãos dadas


A Canção Real de Saraha

Eu me curvo ao nobre Manjusri,
Eu me curvo a ele que
Conquistou o finito.

Como águas calmas que açoitadas pelo
Vento transformam-se em um turbilhão
De ondas que rolam,
Em turbilhão estão os pensamentos
Do rei sobre Saraha, ainda que este
Seja um só homem.

Para um tolo que confunde o que vê,
Uma luz é como se fossem duas,
Quando o visto e o que vê não são dois,
Ah! Aí a mente opera sobre a ausência
De ambos.

Embora acenda-se a lâmpada da casa,
Aquele que é cego permanece na escuridão.
Embora a espontaneidade
Esteja próxima e ao redor de tudo,
Para aquele que se ilude
Ela permanece muito distante.

Embora possam existir muitos rios,
Ao desaguar no mar eles se tornam um.
Embora possam existir muitas mentiras,
Uma só verdade conquistará tudo.
Quando um sol surgir,
A escuridão, apesar de profunda,
Desaparecerá.

Gautama, o Buda, é o maior mestre que já caminhou na Terra. Cristo é um grande mestre, assim como Krishna ou Mahavira ou Maomé e muitos outros, mas Buda ainda permanece sendo o maior. Não é que ele tenha alcançado iluminação maior do que os demais – a iluminação não é menor ou maior –, Buda alcançou a mesma qualidade de consciência de Mahavira, de Cristo, de Zarathustra, de Lao Tzu.

Não existe essa questão de um homem iluminado ser mais iluminado do que algum outro. Porém, com relação a ser um Mestre, Buda é incomparável porque através dele milhares de pessoas têm atingido a iluminação.


Isso nunca aconteceu com nenhum outro mestre. A linha de Buda tem sido a mais frutífera, sua família tem sido a família mais criativa até agora. Ele é como uma grande árvore com muitos galhos – e cada galho tem sido muito frutífero, cada galho está carregado com muitos frutos.

Mahavira permaneceu um fenômeno local. Krishna caiu nas mãos de acadêmicos e se perdeu. Cristo foi completamente destruído pelos padres. Muito poderia ter acontecido, mas não aconteceu; Buda tem sido tremendamente afortunado nisso.

Não que os padres não tenham tentado, não que os acadêmicos não tenham tentado, eles fizeram tudo que puderam fazer, mas de alguma forma os ensinamentos de Buda se projetaram de tal modo que não puderam ser destruídos.

Eles ainda estão vivos. Mesmo depois de vinte e cinco séculos algumas flores brotam em sua árvore, ela ainda floresce. A primavera chega e sua árvore ainda emana sua fragrância, ela ainda sustenta frutos.

Saraha é também um fruto dessa mesma árvore. Saraha nasceu cerca de dois séculos depois de Buda; ele estava em uma linha direta de uma ramagem diferente. Uma ramagem moveu-se de Mahakashyapa para Bodhidharma e deu nascimento ao Zen, e esse galho ainda está cheio de flores.

Uma outra ramagem se moveu de Buda para o seu filho, Rahul Bhadra e de Rahul Bhadra para Sri Kirti, de Sri Kirti para Saraha e de Saraha para Nagarjuna – é a ramificação do Tantra. Ele ainda está sustentando frutos no Tibete.

O Tantra converteu o Tibete e Saraha é o fundador do Tantra assim como Bodhidharma é o fundador do Zen. Bodhidharma conquistou a China, a Coréia, o Japão; Saraha conquistou o Tibete.

Essas canções de Saraha são de grande beleza. Elas são a verdadeira base do Tantra. Você terá primeiro que compreender a postura do Tantra em relação à vida, à visão tântrica da vida.

A coisa mais básica sobre o Tantra é algo bem radical, revolucionário, rebelde. A visão básica do Tantra é que o mundo não é dividido em inferior e superior, o mundo é um todo único. O superior e o inferior estão de mãos dadas.

O inferior está incluído no superior e o superior está incluído no inferior. O superior está escondido dentro do inferior, portanto o inferior não deve ser negado, não deve ser condenado, não deve ser destruído ou morto. O inferior deve ser transformado.

O inferior deve ter permissão para elevar-se, para tornar-se então superior. Não existem abismos sem ponte entre o demônio e Deus: o demônio carrega Deus bem no fundo de seu coração. Uma vez que o coração comece a atuar, o demônio se torna Deus.

Essa é a razão pela qual a genuína raiz da palavra demônio tem o mesmo significado que o da palavra divino. A palavra demônio vem da palavra divino; é o divino ainda não desenvolvido. Não é que o demônio seja contra o divino, não é que o demônio esteja tentando destruir o divino – na verdade, o demônio está tentando encontrar o divino.

O demônio está caminhando em direção ao divino; ele não é o inimigo, ele é a semente. O divino é a árvore totalmente florida, o demônio é a semente, porém a árvore está escondida no interior da semente e a semente não é contra a árvore.

De fato, a árvore não poderá vir a existir sem a semente. Também a árvore não é contra a semente, elas estão em íntima amizade, elas estão juntas. O veneno e o néctar são duas fases da mesma energia, assim como a vida e a morte, e tudo o mais: o dia e a noite, o amor e o ódio, o sexo e a supraconsciência.


Osho, em "A Visão Tântrica – Discursos Sobre as Canções de Saraha"
Imagem por Cyron

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