quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Cegueira Interior

Abro espaço para um artigo da minha mãe (Marly Durão)


As pessoas com as quais eu convivo são de diversos tipos. Uma variedade de personalidades me rodeia. E, é muito interessante observá-las e analisá-las. Refiro-me a adultos, jovens e crianças. Todas as idades têm particularidades, vícios, e características notáveis. Assim estou assinalando qualidades positivas e hábitos negativos também.

A pergunta que pode ser feita então é: aonde quero chegar com este preâmbulo, e de onde veio esta observação sobre pessoas e personalidades? O que me inspirou foi o artigo de José Castello no Prosa e Verso do jornal O Globo de 8 de janeiro de 2011. Inicia afirmando que, em geral, somos “vítimas” de nossas sensações. “Sensações são as reações espontâneas do corpo aos golpes desferidos pelo mundo exterior”. Este começo de texto quer nos levar a conhecer o pensamento de um neurologista inglês, Oliver Sacks, de 77 anos, que acredita, ao contrário, que somos, na verdade, “autores”, e não “vítimas” de nossas sensações. Desenvolve sua tese na obra “O Olhar da mente” (Companhia das Letras). Castello diz que este tese deve interessar muito aos escritores e aos leitores de literatura, “em geral tidos como pessoas fantasiosas e arredias aos fatos da vida”.

Castello continua, e refere-se a um catedrático de ensino religioso da Inglaterra que ficou totalmente cego aos 48 anos. O neurologista Sacks recebeu um exemplar do livro “Touching the rock” deste professor, John Hull, que relata meticulosamente o seu sofrimento durante 35 anos depois de contrair uma catarata aos 13 anos. O diário não é só o relato de uma doença mas do avanço gradual rumo ao que o próprio Hull chama de “cegueira profunda”.

Estou chegando ao objeto principal de minha admiração. Hull diz que na cegueira profunda, o sujeito passa a ver com o corpo todo. Entende-se que a visão desvia a atenção e a cegueira empresta aos sentidos uma potência que os homens normais desconhecem. Diz Castello: “Esta experiência transforma o cego não em um deficiente mas, paradoxalmente, em alguém que “Vê mais”. Isso significa dizer que ele se torna o inventor de novas formas de visão – inventor singular, já que em cada homem essa invenção se manifesta de uma maneira”.


Ora, estamos diante de alguns fascinantes temas: plasticidade do cérebro, olhar interior, som dos objetos silenciosos, visão de coisas inexistentes. E, também, a tese curiosa de que os escritores agem como o cego que, porque não pode ver, inventa uma nova maneira de “ver”. A literatura então, “tem um laço secreto com a cegueira e para enfrentar essas partes cegas da existência e transformá-las, os escritores escrevem”.


Foi tudo isto que inspirou o meu pensamento sobre a “Cegueira interior”. E fui bem longe na minha reflexão. Deixei os escritores com o seu “laço secreto” e considerei o homem comum. Quantos cegos! Ou, ao contrário, quantos precisam tornar-se cegos?


Talvez a visão e a observação do mundo que nos cerca esteja sofrendo uma grande deturpação. A mentira e o engano tomam, com freqüência, posse das pessoas que as utilizam de modo gratuito. Conheço pessoas que mentem sem perceberem. Parece “vestir” a mentira como uma roupa sem a qual não saem de casa. E os que convivem lucidamente com este tipo de personalidade negativa, na consciência desta “doença” permanecem incomodados com uma convivência tão desagradável. Os setores públicos, nos últimos tempos, também têm manifestado o mesmo problema. Eu apelido esses setores de “os cala-boca povão”. O povo assiste o desfilar das mentiras e não se conforma com elas. Criticam-se então os grupos que se manifestam em praças e ruas da cidade. Mas, questiono, onde se manifestar senão publicamente?


Continuando o caso da “cegueira”. Um exemplo: o número crescente de viciados e drogados. Pode ser o resultado de uma “cegueira” bem diferente daquela dos verdadeiros cegos que “vêem mais”. Como um viciado não consegue “ver” que a opção tomada, fraca é verdade, o levará fatalmente à marginalidade e à decadência física, mental e moral? Deixo aos médicos e terapeutas a procura de explicações e caminhos que os ajudem a “pular fora” desse drama.


Voltando ao parágrafo inicial desta reflexão, se o mundo em que vivemos se apresenta tão múltiplo, a visão das pessoas oscila entre um plano real e um plano imaginário. E quem pode afirmar que a fantasia aliena? Consideremos o adulto que, cego diante da situação em que vive, não alcança a tal visão interior (ou mental?) que pode colocá-lo em sintonia ou harmonia com a sua existência real. Tese complicada? Explico melhor: diante da pluralidade de tipos de personalidade que acabam por nos envolver diariamente, é difícil compreender atitudes, gestos, palavras, pois a “visão” das situações é distorcida pela pouca percepção gerada pelos cérebros com tão pouca experiência mística e tanto poder direcionado ao “nada”. Ou ao “tudo vazio”? O tema O Nada dá muito que se pensar!


A “cegueira profunda” do homem forte, que direciona a sua vida a um Deus misericordioso (misericórdia = compaixão) não pode ser desprezada e vilipendiada. Seja ele o tipo de pessoa que for, o Universo precisa de redirecionamento para um novo centro, como diz ainda o neurologista Sacks. Nem a deficiência física, como foi apontada, justifica a falsa visão, e, como conseqüência, as opções nefastas que nos cercam em pleno século XXI. A religião aponta, hoje e sempre, novos caminhos, bons rumos, visando não à felicidade humana mas a coerência humana (“ama e serás amado”, ‘acolha, seja quem for”). Assim a qualidade do Amor pode harmonizar a sociedade, a família e o indivíduo. As contradições do mundo atual aviltam o Homem! Elaboram-se leis e os seus autores são os primeiros a desrespeitarem-nas, prega-se a educação e viciam crianças e adolescentes, defendem os bons costumes e propagam maus hábitos, exaltam os idosos e menosprezam sua saúde e não alongam saudavelmente a sua vida.


Afirmo, com toda a minha lucidez e convicção, que certas “rebeldias” dos idosos, ainda na “ativa” (vida em ação), são convenientes e necessárias. A idade que chega a galope, se não é usada como produtora e incentivadora de mudanças na sociedade que se degrada com tanta vil “modernidade”, não vale a pena ser vivida! Moderno não pode significar também moderado, brando. “Rebeldia branca” pode ser uma conveniente saída para a “Cegueira interior ou mental” que nos cerca. Cérebros não-pensantes, cérebros agindo só por impulsos irresistíveis, cérebros inoperantes, não! Que nossas faculdades mentais atuem pelo Bem e pelo Amor, palavras lindas e de significado útil e necessário.
Marly

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