sábado, 23 de abril de 2011

As palavras de Harpo.

Ele compreendera perfeitamente o sentido das palavras de Harpo. Mas antes disso, é preciso olhar um pouco pra trás pra mostrar como ele chegou lá.

De vez em quando, algumas pessoas fazem perguntas absolutamente retóricas. Fazem isso em público, buscando mostrar o seu conhecimento e acabam nos dando uma mostra de quão pouco se conhecem. Outro dia, em uma roda ouvi o seguinte: "Quem aqui está no vazio?" Eram 14 pessoas que haviam passado as últimas cinco horas em meditação. Ninguém ali estava sequer próximo ao vazio. Ele se instalara em cada um. Como ninguém falava nada, alguém arriscou uma piada, procurando desviar a atenção já que não havia necessidade de palavras ali e falar qualquer coisa era demais. Mesmo assim ele arriscou e pediu que "Defina estar!" A resposta, as gargalhadas foi: "Se precisa definir é porque você não está lá!" e os risos continuaram.

Interessante nisso aqui foi que a resposta parecia vinculada a uma pergunta que não foi feita: "Defina vazio!". Era essa a resposta ensaiada, mas como não foi feita e alguém falou alguma coisa, ela foi usada porque aquela pessoa estava por demais concentrada, focada em uma unica coisa e sequer se deu conta que sua resposta era a própria não resposta. A definição de estar ou não estar lá? Como se define estar? Quando se sabe que você está ou não? A sutileza da colocação é que ao ser feita uma pergunta, o perguntador tem que ter certeza de estar (olha a palavra aí) em sintonia com seus interlocutores. Definir estar não é a mesma coisa que definir vazio. A diferença é realmente entre definir uma ação (o verbo) e uma coisa (o substantivo).
Existem muito mais pessoas próximas ao despertar do que gostariam outros. Muitos dedicaram anos de suas vidas, sacrificaram  muitas coisas buscando desesperadamente a iluminação, ou quem sabe, pelo menos, ao menos o despertar e não encontraram. Nem uma coisa nem outra. Conhecem técnicas milenares, nomes difíceis em linguas estranhas e até sabem ficar em posições mais esquisitas ainda. Fazem isso tudo no sacrifício da iluminação ou do despertar. E nada. Começam a dar cursos e a falar sobre despertar e iluminação e, de repente, do nada, do meio da platéia, sentado em uma das cadeiras, da maneira mais anônima e vulgar possível, está um desperto. Ele não fez curso, não foi a Meca nem a Nossa Senhora Aparecida, não peregrinou, não jejuou e nem leu as escrituras sagradas no original. Fala só a língua dos vivos mas alguma coisa nele fez um "click" ouvindo o que falavam ali. Não era nenhuma revelação misteriosa e nenhum segredo oculto. Era uma constatação simples. Sua vida inteira começou a fazer sentido naquele preciso, precisoso momento. Ninguém sabia porque e nunca nunca saberá, mas tudo o que ele aprendeu na vida, todas as poesias que leu, as músicas que escutou, os livros que não entendeu, os sonhos que o incomodaram, começaram a fazer sentido como uma unica e grande verdade. Verdade pra ele. Curiosamente pouco importava se os outros achavam que essa verdade prestava ou não. Ele não queria sair por aí contando nada. A verdade era clara pra ele e isso bastava. Não precisava convencer ninguém. De nada.

Com o tempo, as coisas ficavam a cada dia mais claras e definidas. As pessoas começaram a parecer transparentes. Ele as lia melhor do que elas poderiam compreender. Ele procurava ajuda-las, sem entregar muito do que estava acontecendo, porque ele tinha medo. Ele tinha visto a reação delas quando ele fez perguntas para as quais não tinham resposta. Ele viu como reagiram quando repetiu palavras de outros mestres sem dar a conhecer a autoria e quase foi apedrejado. Ele sabia que não podia ser mais claro. Pra ele não interessava nem um pouco, simplesmente porque ele sabia o que acontecera e era o que bastava.

Nesse momento ele entendeu mais do que nunca, a profundidade das palavras de Harpo Marx.



obs: Harpo vem a ser o irmão caçula dos 3 mais conhecidos Irmãos Marx, que eram de fato 5 e aí ele não era o caçula. Gummo era. Bem, pra quem não sabe, Harpo não emitia uma única palavra em todos os filmes. Ele era a ponte entre o cinema falado, representado pela verborragia do irmão mais velho Groucho e o passado do cinema mudo que perdia seu espaço.


Na foto à esquerda, de cima pra baixo: Chico, Harpo, Groucho e Zeppo. Faltam o Gummo. Os cinco atuavam em peças de vaudeville e depois no cinema. Apenas Gummo nunca atuou no cinema com os irmãos.


As pessoas devem tomar mais cuidado com o que está ao redor delas. Muitos procuram tanto que quando aparece eles não estão prontos.

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