sábado, 8 de novembro de 2008

Teoria x prática

"Outra dúvida: como se toca um insturmento sem teoria? Bem ou mal, eu fazia uma pentatônica no baixo ou algo que o valha, mas muito limitado.
Abs,

Pedro"

Oi Pedro
A sua pergunta é curiosa. De fato, não se toca. Por outro lado, a teoria é implícita.

A pessoa não sabe se a escala que ele faz é pentatônica, mixolídica ou propaloxitôna, mas encaixa e ele vai em frente. Uma piadinha velha:

"Em uma banda, o tecladista fala pro guitarrista:
- Toca um Fmj79.
O guitarrista vira pro baixista e diz:
- É um Fmj
O baixista olha pro baterista e fala:
- Leva um blues
O baterista fala percussionista:
- Toca qualquer coisa"

Na piada, quando o baterista fala pro percussionista "toca qualquer coisa", está implícito o preconceito na cultura ocidental à falta de formação teórica dos percussionistas. Pegue um percussionista indiano, por exemplo, e vc vai ver que o cara toca vários instrumentos e tem anos de estudo.

Quando vc escreve uma partitura só de acordes pra um guitarrista (por exemplo) é necessário que ele saiba ler isso, o que é um conhecimento implícito da teoria. Ele pode não saber o que está por trás, mas faz.

Um cara que não lê partitura (além do Paco de Lucia e outros) e não conhece os acordes do piano é o Peter Gabriel. A Rachel Z, pianista de jazz que foi tecladista dele na temporada do ano passado, contou em entrevista à Downbeat, que o PG não sabe que acorde ele fêz/faz no piano, ele apenas faz. Quando ela foi aprender as músicas dele (palavras dela) deparou-se com harmonias (acordes) complexos. O cara fez isso sem o conhecimento teórico da teoria (dá-lhe pleonasmo! - ou seria redundância?). Isso é muito comum.

O Pat Metheny falou certa vez, em entrevista à Guitar Player, que a teoria é fundamental, mas que é necessário esquecer dela na hora de tocar, senão - palavras dele - a emoção não flui.
Seria como a gramática. Pode-se conhecê-la (já viram que passei a enfeitar o pavão) mas na hora de falar, ninguém fica pensando ou analisando seu próprio discurso. Faz-se no escrito, mas não no falado. Compor seria o escrito e tocar/improvisar seria o falado.

Tem ainda um conselho do Charlie Parker, onde ele diz que se vc errar uma vez, repita outra vez e depois de novo "Assim vão pensar que era isso mesmo o que vc queria". Sábio conselho que funciona bastante. Em vários improvisos, vc pode sair entortando a idéia original até um ponto em que as coisas soam não só estranhas, mas erradas, mas a persistência naquela frase, leva o ouvinte a acreditar no que vc toca.

Levei muito anos ouvindo um solo de John Tropea na versão de Also Sprach Zarathustra do Eumir Deodato até saber que ali estava uma bela pentatônica, uma boa saída pra quando não se tem uma idéia melhor, mas que ali era colocada de forma precisa.

Até a próxima